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Mais que um jogo

Entrevista: Advogados falam a respeito do Marco Legal dos Games

Advogados especialistas falam a respeito do projeto aprovado na Câmara dos Deputados em outubro de 2022.
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Industria de jogos e crossplay
(Imagem: Divulgação
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A Câmara dos Deputados aprovou em outubro de 2022, o projeto de lei (PL 2.796/2021) que regulamenta a fabricação, a importação, a comercialização e o desenvolvimento de jogos eletrônicos no País. O projeto conhecido como Marco Legal dos Games, segundo o deputado Darci Matos, visa “a equalização da tributação permitirá maior isonomia. Atualmente, a legislação considera os jogos eletrônicos como jogos de azar, como caça-níquel, o que faz com que a tributação seja extremamente elevada”.

Mas o que isso quer dizer? Em entrevista com os advogados Vanessa Lerner e Rodrigo Maito, ambos sócios do Dias Carneiro Advogados, eles esclareceram um pouco mais a respeito do Marco, sua importância, o que representa para as empresas e principalmente para o consumidor final. Confira abaixo.

Dra. Vanessa Lerner, sócia da Dias Carneiro Advogados.

1. O que é o marco legal dos games?

O PL 2796/2021, conhecido como Marco Legal dos Games, é uma proposta legislativa com forte fundo tributário, que visa incentivar o desenvolvimento da indústria nacional de jogos eletrônicos, fomentando a formação de profissionais aptos para atuar nesse mercado.

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O Marco também trata de outras questões relacionadas ao mercado, como a tipificação do que são jogos de fantasia (criando critérios para diferenciá-los em jogos de azar), adentrando ainda no mundo dos eSports, com regulações sobre prêmios e torneios.

Esse projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados em outubro desse ano e agora segue para votação no Senado.

2. Qual a sua importância?

Temos visto um aumento muito grande no número de projetos de lei que visam regulamentar, de alguma forma, o setor de jogos eletrônicos. Tendemos a ter uma visão crítica em relação a maioria, mas o Marco Legal dos Games tenta endereçar um problema que de fato é crítico para o nosso ecossistema de games nacional: a alta tributação e falta de incentivos à formação de profissionais aptos a atuar nesse mercado. O Brasil já é um dos polos importantes para a indústria internacional de games (sendo o maior mercado da América Latina), agora precisamos garantir, por um lado, que permaneçamos atrativos para investimento estrangeiro e por outro que a nossa própria indústria continue a crescer de forma consistente e forte.

Dr. Rodrigo Maito, sócio da Dias Carneiro Advogados.

Segundo estudo elaborado pela ABRAGAMES, saltamos de 375 empresas desenvolvedora de games no Brasil em 2018 para 1009 em 2022. Existe uma internacionalização de empresas nacionais como a Wild Life e até mesmo investimentos estrangeiros em empresas locais (como o da Epic Games no estúdio brasileiro Aquiris). Esse é só o começo do que pode ser o nosso mercado.

Logo, o Marco Legal dos Games endereça tópicos importantes, mas temos questionamentos sobre a sua efetiva capacidade de alcançar os objetivos que almeja. Parece-nos que um dos maiores méritos desse PL é deixar claro que o investimento em desenvolvimento de jogos eletrônicos é considerado investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, podendo beneficiar-se dos incentivos financeiros e fiscais previstos nas Leis n. 8.248/91 e n. 11.196/05. Além disso, distinguem-se os jogos eletrônicos e de fantasia das máquinas de caça-níqueis e outros jogos de azar.

3. O que muda para os consumidores e empresas?

Eventualmente, o fato de ficar mais claro que o investimento em desenvolvimento de jogos eletrônicos pode beneficiar-se dos incentivos mencionados, poderá haver uma redução de preço desses jogos ao consumidor final, mas tal efeito ainda é incerto e depende de inúmeros fatores.

4. Este marco também existe em outros países?

Diversos países adotaram diferentes normas visando incentivos à indústria de games, sendo uma prática muito comum até mesmo na América Latina em países como o Chile e a Colômbia. Logo, podemos dizer com segurança que essa é uma tendencia internacional. 

5. Já faz um tempo que os jogos são utilizados como fins terapeuticos. Mas por que englobar treinamento para condução de veículos e simulação de manuseio de máquinas?

Isso não está muito claro. O autor desse projeto de lei, o deputado Kim Kataguiri, sustenta que “a autorização para uso dos jogos eletrônicos em escolas – para fins exclusivamente pedagógicos –, em tratamentos terapêuticos e em treinamentos incrementa de forma significativa a abrangência desses jogos para usos além do mero entretenimento”. Contudo, esse uso não depende de autorização legal. 

6. O marco ajuda ou dificulta os fabricantes de jogos no Brasil na questão dos Direitos autorais?

A proteção legal da propriedade intelectual dos jogos eletrônicos não é o objeto principal do Marco dos Games. No entanto, o foco desse projeto de lei é trazer maior clareza quanto à tributação dos games e consoles no Brasil e fomentar o aumento de profissionais aptos a atuar nesse setor. Logo, visa ajudar a indústria nacional.

7. Juridicamente, para o consumidor: quais mudanças positivas e negativas esse marco pode trazer, como por exemplo na compra de jogos, consoles e principalmente na assinatura de planos como PS Plus, Xbox Game Pass e Nintendo Online, já que muitas vezes os usuários acabam tendo algum tipo de problema para cancelar suas assinaturas entre outras

Conforme dito acima, é uma norma preponderantemente tributária e não necessariamente os benefícios fiscais obtidos pelas empresas que desenvolvem esses jogos serão repassados aos preços, dada a complexidade e as muitas variáveis envolvidas no seu aproveitamento.

Uma empresa que atuação incipiente pode ainda não ter lucros a ponto de se beneficiar de regras de dedução incentivada dos dispêndios com pesquisa e desenvolvimento. Logo, não é possível afirmar que o Marco Legal irá produzir efeitos em termos de redução de preços.

8. E para as desenvolvedoras nacionais: que defesa esse marco pode trazer para as empresas que criam jogos, mas que continuam a colocar seus títulos em plataformas que estão em outros países.

O foco é cada vez mais fomentar o mercado brasileiro de games, inclusive com a criação de novas plataformas de distribuição de jogos. Já vemos empresas como a Magalu Games investindo no desenvolvimento de plataformas de distribuição de jogos, talvez no futuro próximo vejamos o crescimento desse mercado no Brasil.

9. Quais as considerações finais que podem fazer a respeito deste Marco Legal?

Nos traz muita preocupação a atual redação do art. 2º § 2 º do Marco Legal que prevê que é “livre a promoção de disputas que envolvam os usuários dos jogos eletrônicos”. Isso parece trazer uma permissão legal para qualquer realizar um torneio de eSports sem necessidade de autorização do titular do jogo para a exploração comercial desse. Acima de tudo, os jogos são bens intelectuais protegidos no Brasil, sendo inaceitável pensar em qualquer limitação inerente a esse direito. Talvez essa não tenha sido a intenção dessa cláusula, mas é importante corrigir essa redação para evitar que esse entendimento seja possível.

Conforme dito anteriormente, temos visto um aumento muito grande no número de projetos de lei que visam regular, de diferentes formas, os jogos eletrônicos e os eSports no Brasil. O Marco Legal dos Games, em certa medida, visa endereçar questões reais que o setor enfrenta. A nossa maior preocupação são normas, como o PL 383/2017 e até mesmo a Lei Geral do Esporte (que foi emendada para incluir os eSports no contexto da legislação esportiva brasileira) sem aferir o impacto real que tais normativas podem ter em um setor que está se revelando como uma das áreas de grande crescimento no Brasil. Qualquer regulação desse mercado tem que ser embasada em uma avaliação criteriosa de suas particularidades (que são muitas), evitando a criação de um ambiente regulatório desabonador e com insegurança jurídica.

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