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Tony Garcia

Opinião: Os smartphones estão mudando os jogadores ?

A coluna ‘Game Designer Sincero’ traz um tema polêmico: A nossa relação com os smartphones está saudável?
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Jogador mobiel
Está mesmo tudo mais confortável jogando nessa plataforma?
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Provavelmente você está lendo o meu artigo do seu smartphone e deve ter algum jogo instalado em seu aparelho que deixou você viciado. Eu jogo muito pouco no meu smartphone, minhas plataformas de jogo são o PC e os consoles (meu Nintendo 64 e meu PS2, estão aqui até hoje bravamente me proporcionando muito divertimento).

Eu raramente jogo em smartphones por divertimento, na maior parte do tempo, é por trabalho. E o trabalho neste caso, consiste em conhecer as tendências do mercado e os jogos que estão fazendo sucesso (tem certas horas que eu não consigo entender porque certos jogos fazem sucesso). Só joguei for fun no smartphone duas vezes: Candy Crush e Fallout Shelter.

Mas por que, Tony?

Simplesmente porque eu acho a tela pequena demais, os controles ruins demais e o design focando num grind massivo nos chamados jogos free, carregados de propaganda, num modelo de busca da retenção massiva que não me agrada. Estes jogos são vazios e te fazem perder tempo sem se divertir.

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Isso me levou a escrever este artigo e levantar alguns pontos interessantes neste modelo de jogo e de como são seus jogadores.

O Fenômeno do Free Fire no Smartphone

Sucesso no Brasil, moeda de Free Fire ganha bônus de 30% ...

O Free Fire foi o jogo para smartphones mais baixado do mundo em 2020. Conforme análise da App Annie, plataforma especializada em dados do mundo mobile e de acordo com a Garena, seu desenvolvedor, há cerca de 408 Milhões de usuários ativos no mundo e destes 36 milhões geram receita quadrimensalmente.

O Free Fire é o Battle Royale mais popular no Brasil, já tendo diversos eventos desde 2019 e com um crescimento nesta pandemia de mais usuários. Muitos jovens jogam no smartphone, já que a maioria não tem computador/console em casa, utilizando o “telefone” como plataforma de jogo (e de muitas outras coisas também).

Aliás temos até um “analfabetismo digital” surgindo por conta disso, já que muitos jovens ao entrarem no mercado de trabalho nunca mexeram em um editor de texto e/ou não tem experiência em computadores. O mundo deles é mobile, não desktop.

O Free Fire feito para Android e IOS tomou de assalto o país, levando a campeonatos com prêmiações milionárias. O jogo é o mais jogado no Brasil em plataformas mobile e tem todo um ecosistema que alimenta, memes, youtubers, eventos, etc. O jogo é freemium e isso tem um apelo econômico forte em nosso país.

Este estilo de jogo de smartphone é um pouco diferente dos tradicionais, pois incentiva uma prática muito mais focada na competitividade e que hoje está sendo muito explorada com os e-sports. Contudo quero utilizar o Free Fire apenas como ponto de contextualização.

Nos dia de hoje os jovens que utilizam os smartphones para as mais diversas atividades. Quando eu falo jovens coloco a galera 30 menos neste intervalo. Hoje fazemos tudo pelo telefone: pedir comida, pagar contas, pedir transporte, comprar online, estar presente nas redes sociais.

Esse é o ponto que eu gostaria de explorar nesse papo todo. Para isso vou utilizar os jogos nos smartphones para tratar de algo muito maior e mais preocupante.

Os Jogos de Smartphone

Os jogos de smartphone em sua essência são extremamente simples, para que o jogador tenha um curva de aprendizado alta e com isso em poucos minutos está dominando o jogo. Na sua maioria os jogos são clones de títulos famosos e todos na sua maioria são gratuitos.

Aí que começa o problema

Os jogos de smartphone tem uma maneira de monetizar predatória, da qual em muitos jogos, os tornam injogáveis a partir de um certo momento. Se você não pagar, ou de certa forma assistir a mídia comercial incorporada, você não recebe bonificações ou prêmios interessantes.

Pessoa Jogando Candy Crush No Smartphone Nokia

Os jogos de sucesso utilizam esta prática a partir de um determinado ponto, quando o jogador já foi retido tempo o suficiente para gerar a chamada monetização (grana, l´argent, dim dim). Alias retenção é a palavra chave do sucesso de um jogo para smartphone, já que o objetivo é segurar jogador o mais tempo possível jogando.

De acordo com o site The Tool, em um artigo muito interessante sobre retenção em apps para smartphone temos as seguintes faixas de retenção consideradas ideais:

  • Dia 1 Retenção – 40% ( reflete a primeira impressão do jogo após seu download e algumas vezes jogado)
  • Dia 7 Retenção – 20% ( aqui os jogadores gostaram de seu jogo e continuam retornando após uma semana)
  • Dia 28 Retenção – 10% ( aqui os jogadores continuam jogando os eu jogo com frequência e provavelmente vão pagar)

Estes números são bem interessantes, já que diversas estratégias são utilizadas para este retorno/manutenção e aí que começa a nossa polêmica.

O Jogador de Smartphone

Diferente dos jogadores de console/PC, os jogadores de smartphones são chamados de jogadores casuais. Um estudo, conduzido na Universidade de Waterloo e publicado na revista Computer in Human Behavior, publicou uma interessante conclusão.

As pessoas que têm dificuldade de se envolver com situações do mundo real são atraídas por atividades que produzem uma sensação de “flow” – um estado de concentração sem esforço no qual atividades envolventes diminuem a consciência de tempo e espaço. Aí entram os jogos de smartphone.

Chanel Larche, principal autora do estudo e candidata a PhD em neurociência cognitiva em Waterloo, disse em seu artigo:

“Descobrimos que pessoas que experimentam tédio intenso com frequência na vida cotidiana relataram que utilizam os jogos de smartphone para escapar ou aliviar esses sentimentos de tédio”

E ela complementa:

“O problema com essa‘ correção ’do tédio é que eles acabam jogando sempre que estão entediados e acabam tendo problemas ligados ao jogo excessivo.”

Entra um ponto interessante aqui já visto no documentário “O Dilema das Redes” que discute como os elementos do design das redes sociais, recompensam as frustrações das pessoas na sociedade atual. Como as redes exploram os conceitos de recompensa, afetando a saúde mental das pessoas, principalmente os jovens e crianças.

Pai Olhando Para O Filho Brincando Em Um Smartphone

Outros pontos que este importante documentário aborda, são so problemas das fake news, do uso do algoritmo/dopamina para práticas nada éticas e principalmente como toda uma nova geração depende do smartphone e das redes para viver (se você nunca ouviu falar de FOMO, se preocupe).

Mas o que diabo isto tem a ver com os jogos de smartphone? Simplesmente muitas empresas utilizam estas técnicas acima para engajar e reter os jogadores. O jogador que não tem nada de casual, é envolvido nesta teia e no fim o jogo se torna a parte menos interessante.

Foto profissional grátis de adulto, ansiedade, cabelo

Em alguns casos (muito raros diga-se de passagem), o objetivo do jogo é alimentar uma personalidade já problemática e que encontra em um título inocente, uma forma de aliviar suas frustrações e seus problemas psicológicos. O desafio não existe, apenas uma forma de escapismo muito perigosa.

Por isso certos jogos são terrivelmente simples, mas focados em trabalhar estas táticas nada éticas no dia a dia das pessoas. O jogo é “gratuito”, pois o produto é você.

Para onde vamos?

Os designers deste estilo de jogo devem repensar suas práticas afim de produzir títulos que proporcionem desafios, que não gerem estas recompensas falsas, e que tenham uma jogabilidade suadável, não incentivadora de problemas psicológicos. Em muitos casos jogadores podems er levados a depressão.

Isso leva a um cenário maior do qual colocamos as redes sociais e toda uma prática nada ética da utilização de um algoritmo que induz a situações com consequências terríveis como por exemplo o aumento do suicídio entre jovens devido a má utilização das redes.

Estas preocupações fazem aqui apontadas, servem como uma reflexão e advertência. Nós como designers de jogos precisamos pensar medidas responsáveis ao projetar jogos, pensando em casos mais complicados no uso de limites de jogabilidade e evitar que desvios digitais monopolizem períodos excessivos de tempo.

Precisamos de jogadores, não de pessoas doentes.

Tony Garcia é Game Designer, Educador, Gamification Designer, Especialista em Manufatura Aditiva e em Tecnologias Educacionais.
Tem mais de 80 jogos desenvolvidos e trabalhou com mentoria em mais de 30 startups de jogos. Atuou em projetos de jogos educacionais e gamificação
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