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Quatro meses após a morte de “Brutt”, mãe do jogador faz alerta a pais de jogadores

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Cristiane Fernandes Queiroz Coelho, mãe de Brutt. Imagem: Lucas Landau/UOL
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Cerca de quatro meses após a morte do jogador “brutt“, o fato que comoveu a comunidade de Counter Strike voltou a ser notícia. Neste sábado (11) Cristiane Fernandes, mãe do jogador, escreveu uma carta, onde aponta as prováveis causas que agravaram o estado de saúde de seu filho, que veio a óbito por conta de uma infecção desconhecida no cérebro.

Cristiane explica que, para além de expor todas as falhas dessa história, o objetivo da carta é sobretudo fazer um “alerta a todos os pais e mães de jogadores de e-sports“. Leia abaixo a carta na íntegra:

Carta as Mães

Depois de muita angustia resolvi quebrar o silêncio e relatar tudo aquilo que eu gostaria de saber ou de ter ouvido antes de perder meu filho.

O caso foi bem divulgado na mídia. Alguns se comoveram com nossa dor; outros, pouco se importaram; houve também, quem falasse coisas absurdas a respeito do meu filho. Como se manchar a reputação dele apagasse o horror que nossa família enfrentou e enfrenta todos os dias, até hoje.

Chamo-me Cristiane, sou mãe do Matheus Queiroz, o “Brutt”, jogador profissional de Conter-Strike e quero deixar, aqui, o meu alerta a todos vocês, mães e pais de Cyber-atletas.

Muitos desses jovens trancam a matrícula na faculdade, deixam suas casas; alguns deixam suas mulheres e filhos e, muitas vezes, partem para outras cidades a milhares de quilômetros de distância para ir atrás do sonho de se tornar um atleta profissional e melhorar a situação financeira, tanto pessoal, como da própria família.

A abordagem é bem agressiva: “Quer ser campeão da CBCS?” Quem de nossos filhos não quer?

Para isso, se submetem a um esforço mental extremo e muitas horas de dedicação aos jogos eletrônicos. Além dos horários de treino estipulados, treinam individualmente para aumentar seu desempenho pessoal.

Com o meu filho não foi diferente. Adiou sua matrícula na faculdade, deixou para trás o pai, a mãe, os irmãos e a namorada. Tudo em busca do seu grande sonho.

Com tanto potencial, todos acreditavam que logo ele chegaria ao nível profissional tão desejado.

Conforme seu time alcançava vitórias, a responsabilidade e visibilidade daquele menino sonhador que ninguém conhecia, ia aumentando.

Ele foi participar de um campeonato em que todos os jogadores teriam que morar em São Paulo. Meu filho arrumou suas malas, saiu de casa todo feliz, sadio e perfeito.

Para captar o talento do meu filho foram feitas várias promessas, fazendo com que acreditasse que teria assegurado todos os direitos de um verdadeiro atleta profissional. Para nossa família, foi dito que os meninos estariam amparados por um gerente, o “Manager”, responsável por eles enquanto estivessem na “Gaming House”, que receberiam assistência à saúde e todas as condições e cuidados necessários, compatíveis com suas atividades. Mas, na prática, não foi o que aconteceu.

Em uma das Gaming Houses o meu filho e os demais jogadores começaram a passar mal, com dores de estomago, diarreia e outros sintomas. Desconfiaram da água que era oferecida, o que se comprovou mais tarde. Nessa ocasião, não tiveram apoio nenhum e foi necessário que passassem a comprar sua própria água para não adoecer. Levou mais de mês até que os responsáveis tomassem alguma providência.

Em outra Gaming House, fomos tranquilizados pela mãe de um dos jogadores que se dizia responsável em levá-los ao médico e dar todo suporte, “como se fossem seus filhos”. Mas, na realidade, quando meu filho adoeceu, era levado ao hospital pela namorada do “Coach” ou pelos colegas atletas, que se preocupavam com o estado dele, sem qualquer suporte profissional.

Meu filho foi colocado em uma Gaming House atrás do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Ou seja, havia um barulho constante e terrível, dia

e noite, sem parar, de aeronaves pousando e decolando, incompatível com o nível de concentração e condições para preparo de um atleta.

Mesmo durante tempos de forte calor, não havia sequer ventiladores na casa para aliviar a temperatura! Desse modo, era impossível que os jogadores descansassem, mesmo após longas horas de treino, razão porque ficam esgotados mental e fisicamente.

Mesmo meu filho apresentando dores terríveis na cabeça e nuca, foi preciso que ele treinasse exaustivamente, pois participaria de um jogo pela CBCS.

Em seu último jogo oficial, o vi na televisão, aqui do Rio de Janeiro. Ao perceber que meu filho estranhamente estava jogando com casaco e de capuz, sem seu “Headset”, fiquei muito assustada. Mais tarde, descobri que meu filho teve que jogar mesmo sob uma dor insuportável, com toalhas molhadas na nuca para aliviar a dor, sem aguentar sequer o barulho do headset.

Mães, o meu filho teve que jogar com uma dor terrível, sem conseguir sequer aguentar o uso dos fones de ouvido!

Ele estava exausto, pois não dormia e não se alimentava direito. Descobri que na casa faltava comida. Os jogadores sequer eram alimentados adequadamente!!!

Ou seja, não dormiam, não se alimentavam, mas passavam mais da metade do dia treinando intensamente!

O quadro do meu filho piorou muito. Desesperada, entrei no carro no Rio de Janeiro e só parei quando cheguei em São Paulo, para ver meu filho.

Me deparei com o meu filho esticado numa cama, sozinho, pálido, e com duas toalhas molhadas na cabeça visivelmente fraco e abatido, porque estava há dias sem se alimentar direito!

Apesar do Brutt mal conseguir se mexer, ninguém o auxiliou; ninguém foi comprar os remédios prescritos no hospital. Ele ficou totalmente sozinho, desamparado. Mesmo sendo de outro Estado, sem conhecer a cidade, levei meu filho sozinha até uma UPA e passamos a madrugada toda lá.

Sem condições de deixar meu filho sozinho, em uma casa sem alimentação e sem suporte resolvi trazê-lo para casa, aqui no Rio de Janeiro. Viajei por um dia inteiro de carro de volta ao Rio de Janeiro, com meu filho gemendo de dor e vomitando sem parar.

Depois de alguns exames descobrimos que ele tinha mais de 30 (trinta) lesões no cérebro e precisava de um bom médico.

Solicitei ajuda ao “Manager”, pois o médico e os exames eram muito caros e o hospital público não tinha vagas. Fui surpreendida pela informação de que não poderiam ajudar, a assistência medica prometida, não existia!

Consegui internar meu filho com a ajuda de amigos e da família em um hospital a das horas de viagem da minha casa.

Sem qualquer sensibilidade, fui contatada diversas vezes para saber como o Brutt iria proceder com o campeonato. Desumano fazer isso com um profissional!

Sem qualquer aviso ou contato com a família, foi veiculada pelo Twitter uma notícia informando o afastamento do Brutt. Essa notícia deixou meu filho devastado. Meu filho chorava de tristeza.

O quadro do meu filho piorou. Ele parou de andar, estava perdendo a visão, e acabou indo para CTI.

Lá ele teve uma parada cardíaca.

Fui chama pelo médico.

Entrei no leito rapidamente e o vi ali, desacordado. O meu desespero foi tão grande que eu orava, chorava. Eu não sabia o que fazer. Eu o soprava com todo o meu fôlego as narinas dele, mesmo desfalecido, na intenção de reanima-lo. Eu pegava na mão do meu filho e não acreditava no que via. Era aquela mãozinha que tanto lhe deu vitórias e orgulho estava ali, imóvel. Eu suplicava a Deus para salvar meu filho e trazê-lo de volta, e nem percebi quando o aparelho zerou.

Foi quando a médica me tocou e disse: “O Matheus acaba de falecer”.

O meu mundo desabou. Fiquei impotente. A família inteira ficou desesperada.

Após comunicar a morte do meu filho às mães dos outros jogadores, fui contatada e informada de que receberia uma quantia correspondente ao salário do meu filho, e mais uma “ajuda”.

Mas, para quê? Para pagar o ENTERRO DO MEU FILHO?

Pior foi tomar conhecimento de que circulava uma notícia nas redes sociais dizendo que a nossa família teria recebido “todo o suporte” durante a doença do meu filho e após o falecimento.

MENTIRA! Não recebemos sequer um tratamento humano, ou o mínimo apoio emocional.

O meu esposo e eu passamos dias lutando para salvar o meu filho. Tivemos que parar de trabalhar. Ficamos sem recursos financeiros, pois somos autônomos. Dias sem tomar banho e sem se alimentar direito, para acompanha-lo no hospital. E mesmo assim tínhamos que nos manter fortes para dar suporte ao Matheus e aos irmãos.

A conclusão que cheguei, mães, é que o meu filho era só uma máquina, para dar nome, likes e boas visualizações nas redes sociais.

A Team Liquid, uma organização Americana, postou uma nota de homenagem em português para o “Brutt”. Enquanto todo cenário mundial de Counter-Strike se chocou com o que aconteceu com o meu filho, tudo o que recebemos foi uma coroa de flores enviada ao seu velório.

O Brutt morreu, foi enterrado e tudo acabou, pois o meu filho não passava de uma máquina que se tornou inútil.

A saudade é imensa. Sinto saudades de conversar com o meu filho sobre tudo o que ele foi como filho e atleta. Estamos vivendo a base de medicação controlada, tranquilizantes e antidepressivos. É um baque do qual ainda não conseguimos nos recuperar.

Vigiem seus filhos atletas, mães! Eu confiei nas promessas que foram feitas e o meu filho, agora, não está mais aqui.

Acredito que existam situações diferentes da nossa, onde há auxílio e melhores condições aos atletas, mas hoje, já é tarde para o Brutt.

Hoje eu apenas oro e clamo a Deus para que não me falte forças.

Rio de Janeiro, 11 de Abril de 2020.

Cristiane Fernandes Queiroz Coelho

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