Filmes de Resident Evil: sofridos (e lá vem mais um). Filme de Street Fighter (Aquele que o Van Damme fez loko de cocaína?) Filme do Mario, vamos mudar de assunto. Não, calma. Fica aí e vamos falar sobre isso tudo que contribui para que filmes inspirados em games já saiam com cara de game over.
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Tem culpado? O que pode ser feito? É tudo ruim mesmo? PRECISA ter um filme? Essas são algumas questões evolvendo expectativa x realidade que foram respondidas pelo brasileiro Michel Lichand, um roteirista que atualmente mora e trabalha nos Estados Unidos, e que está envolvido nesse tipo de missão por lá, que é extrair boas histórias de algo que não é originalmente um filme. Confira abaixo o artigo desenvolvido para o Observatório de Games:
O fato é que todo filme ruim baseado em videogame tem um problema e comum. Neste artigo, vamos falar um pouco sobre qual é esse problema, e como as adaptações de sucesso conseguem evitar, ou ate mesmo incorporar o problema em suas histórias. Pra começo de conversa, muita gente gosta de falar que o ‘problema’ é o fato de videogames serem intrinsecamente diferentes de filmes.
O que um game e um filme precisam para funcionar é diferente
Games são baseados primeiramente em mecânicas, em uma interação entre o jogador e o game, algo que é impossível de se replicar no cinema. Para essas pessoas, existem até jogos que não tem uma história, e que é possível facilmente separar a mecânica da narrativa.

Isso é um mito, puro e simples. Em games, narrativas são inseparáveis da mecânica, não importa se o jogo em questão é Pac-Man ou The Last of Us. Isso porque narrativa não é a mesma coisa que história. Inclusive, narrativa pode existir sem história, mas história não pode existir sem narrativa. Entenda: quando falo ‘narrativa’, estou me referindo a algo muito mais profundo do que o ‘era uma vez.’ Narrativa para mim, se refere a um problema dramático que está sendo proposto pelo texto, e cuja resposta vai guiar o texto até o seu final.
Um problema dramático geralmente pode ser resumido em alguns elementos básicos: um PERSONAGEM quer ALGO, mas acaba encontrando alguns PROBLEMAS. Por exemplo, Toy Story é sobre o personagem do Woody, que quer realmente ser o único brinquedo favorito do Andy, mas acaba encontrando Buzz Lightyear, o novo brinquedo. O filme Toy Story retrata a jornada de Woody tentando achar um jeito de solucionar esse problema. Toda história tem um problema dramático, incluindo os games.

Alguns de vocês devem estar falando “então qual é o problema dramático de Pac-Man?” Pois bem, ate o famoso amarelinho tem um problema dramático: Pac-Man quer comer todos os pontinhos na tela, mas acaba encontrando fantasmas no caminho.
Um problema dramático não precisa ser o equivalente a uma história de Shakespeare, mas ele precisa existir para encorajar o jogador a jogar. Jogos sem história, como Minecraft, usam objetivos claros e simples para que o jogador entre no mundo do game e acabe criando sua própria história.

É por isso que a primeira pergunta que alguém faz quando começa a um jogar um jogo novo é “quem sou eu e o que é pra eu pra fazer?”
Eis o ponto de bifurcação
Agora, filmes, livros e series usam questões dramáticas para explorar personagens. Mas games usam questões dramáticos para atrair o jogador, transformando suas questões em objetivos. O que acontece depois- se há uma história a ser contada ou não- depende do jogo em si.
E é aí que o nosso problema começa, já que nem todo game tem como objetivo contar uma história! Esses games usam a narrativa para engajar o jogador nas mecânicas. É por isso que você provavelmente lembra de quando completou aquela fase do Mario no último minuto, mas não qual era a história especifica daquele jogo do Mario.
Isso é perfeito para um game, em que você precisa interagir para dar progresso a narrativa, mas não para um filme, em que você é apenas um espectador.

Roteiristas também podem sugerir que algo vire filme
Tirando as franquias colossais que automaticamente podem ser sugeridas como filme, os roteiristas também podem estar atentos a obras menos vistas para sugerir uma adaptação para as telonas. Trabalhei durante um ano com desenvolvimento de histórias para algumas empresas.
O meu trabalho era essencialmente ler um livro, um artigo, uma revista ou qualquer outra coisa e ver se podia dar um filme ou serie bom de ver. Qualquer coisa que eu lia tinha que ter uma questão dramática boa, mas não podia ser só isso: precisava também ter uma história melhor ainda.
E como alguns games usam e abusam da interação, isso acaba se traduzindo em uma história desinteressante para um espectador. É só lembrar daquele amigo ou familiar que ficou observando você jogando uma partida de qualquer jogo com completo desinteresse. No entanto, só porque isso é um problema não quer dizer que nossa história acaba aqui.
E o que deve ir ao cinema?
Tudo bem, a interação com a narrativa é algo que só existe nos videogames, mas isso não quer dizer que games não podem ser adaptados para o cinema. Qualquer fã de Harry Potter pode te passar uma lista de dez mil coisas que foram removidas nas adaptações dos livros, mas isso não impediu os filmes de serem incríveis sucessos.
É por isso que o processo se chama “adaptação” e não “tradução”- ao adaptar um livro, quadrinho ou game para o cinema, um roteirista deve encontrar quais são os elementos chaves de uma narrativa e adaptar para uma nova história.

Tudo certo? Não, longe disso.
Final feliz, certo? Bem, você sabe que não, porque o que acaba acontecendo é que o roteirista acaba adaptando os elementos errados, inventando uma história para certas coisas que nem faziam parte da narrativa.
É dai que conseguimos algo como a adaptação cinematográfica de Super Mario Bros, que precisou costurar uma realidade ‘sensata’ de elementos completamente diferentes como goombas, bob-ombs e o Yoshi, transformando cada um em um retrato grotesco.
O que aconteceu nessa história foi que os roteiristas e o produtores pegaram os elementos chaves da narrativa de Super Mario Bros… e completamente ignoraram o contexto deles.
Tá, e de quem é a culpa?
E muitas vezes isso nem é culpa do roteirista, que é pago apenas para seguir uma sinopse ou uma ideia formulada por um estúdio, sem nunca encostar em um dos games. Se você for ler um pouco mais sobre o desenvolvimento do filme do Super Mario Bros, vai descobrir que o produto final foi uma ideia baseada em uma ideia baseada em uma ideia baseada no jogo original.
Novamente, uma adaptação não precisa ser fiel para ser um filme bom, mas precisa ser um filme bom. Warcraft foi extremamente fiel aos games, mas não deu sucesso. Enquanto isso, a franquia Resident Evil lentamente começou a se separar mais e mais dos games originais e chegou a ter até seis filmes.
Captando a mensagem
Este ‘problema’ também é a razão por trás do sucesso de uma nova leva de filmes baseados em games. Sonic – O Filme, Detetive Pikachu e Assassin’s Creed tiveram níveis diferentes de sucesso, mas todos eles entenderam a necessidade de encontrar os elementos chaves da narrativa e adapta-los para o cinema. Você nunca vai conseguir repetir a sensação da primeira vez que você correu rápido como Sonic, capturou um Pokémon ou pulou das alturas com o seu assassino, mas estes filmes conseguiram capturar os personagens, a aventura e a atmosfera que engajou o interesse dos jogadores.
Game over x Continue
Apesar de uma história complicada, o romance entre Hollywood e os games não vai acabar tão cedo: uma nova adaptação de Mortal Kombat já está entre nós, um reboot de Resident Evil chega logo mais, uma sequência para Sonic – O Filme, filmes baseados em Uncharted e Minecraft além de futuras adaptações de Borderlands, Ghosts of Tsushima, Metal Gear Solid, dentre outros (e isso só no cinema).
Todas essas adaptações podem dar muito certo- incluindo Minecraft– desde que elas lembrem do poder da narrativa. E não vejo razão porque temos que torcer contra estes filmes! Afinal, uma boa adaptação sempre traz novos fãs para nossos games favoritos.
BIO

Michel Lichand é roteirista, podcaster e atualmente reside em Los Angeles. Tem graduação em Rádio e TV pela FAAP e pós-graduação em roteiro pela University of Southern California, e já trabalhou com Disney Studios, AMC Networks, Wayfarer Studios e Lionsgate. Ele é um dos apresentadores do podcast “Fullmetal Analysts”, em que analisa o anime Fullmetal Alchemist.